terça-feira, 3 de junho de 2008

Capítulo 3 - Príncipe Encantado




Alguns minutos se passaram e Dyllan ainda não voltara com o telefone. Victor ainda permanecia de vista turva além da vidraça da janela.
“O que eu tinha para fazer mesmo? Nada grandioso o suficiente para ser considerável, ou... algo consideravelmente banal... pare de tolices, Victor. O telefone...”.
Saiu mais uma vez de seus devaneios quando ouviu a porta principal ser aberta no andar de baixo. Algo estranho certamente acontecera, e Victor partiu de imediato ao saguão de entrada. Seus pés molhados e descalços faziam um estranho barulho, rangendo a madeira e pisando emudecido nos azulejos da escadaria lateral.
Ao chegar ao primeiro piso, apertou a toalha firmemente à cintura, avistando Dyllan, na porta de entrada, montando um dos cavalos de seus terrenos e em seguida galopando velozmente em direção aos portões, cerca de um quilômetro longe. O telefone encontrava-se em seu lugar, desligado.
Dyllan chegara em seu destino em menos de um minuto e puxou as rédeas do alazão; este parou derrapando nas pedras úmidas da estrada que ligava os portões da família Kopperden até os arredores do edifício. Uma limusine branca estava parada a alguns metros do portão, que em pouco tempo foi aberto por Dyllan, desajeitado e apressado. O menino cedeu espaço para o veículo adentrar os terrenos e em seguida encostou o portão.
O carro chegou em pouco tempo na frente da mansão. Dyllan desmontou pouco depois e ordenou a uma empregada alguma coisa sobre a fechadura do portão, enquanto abria uma das portas da limusine respeitosamente.
Victor encontrava-se na porta do saguão, arrependido de não ter se vestido conforme a baixa temperatura, além de sair do banho sem se secar. Ligeiro, escondeu-se atrás de uma das paredes do saguão e assim pôde observar quem saía de dentro do veículo.
A visão daqueles quatro homens endireitando-se do que parecia ter sido uma longa viagem fez os olhos de Victor lacrimejarem. Não era por tristeza ou decepção, e sim um misto de sentimentos muito contrários a lamentações. “Se existem belezas ofensivas, eu ainda gosto de ser humilhado”.
Victor correu o mais rápido que pôde até a sala e subiu as escadas de três em três degraus como uma criança para observá-los de camarote escondido atrás do corredor. Quase caiu no fim da subida pela toalha firme escorregando pras suas pernas. Ajeitou a toalha novamente, e desatou a correr pelo corredor na direção ao seu quarto, o corrimão à sua direita permitindo a vista da entrada. Apoiou seu corpo na parede ao final do corrimão, escondendo-se, deixando apenas metade do rosto exposto à claridade, seus cabelos molhados escorridos em sua face. Em segundos que pareceram horas, e mesmo assim insuficientes, Victor avaliou cada um dos rapazes que adentrava seu casarão.
O primeiro da fila parecia ser até menor de idade, o que de certo modo assustou o dono da casa. Carinha de invocado, roupas apertadas de alguma marca famosa, cabelos castanhos repicados não muito curtos e um jeito todo especial de andar, o menino parecia ser um primo de Dyllan. Carregava uma mochila nas costas, e Victor pôde notar, por trás dos ombros largos ajustados na magreza do jovem rabugento, um par de patins preso a ela, do tipo que se patina no gelo.
Em seguida entraram um rapaz de longos cabelos castanhos em um perfeito rabo de cavalo, chapéu estilo caubói, vestindo um sobretudo verde, e um impressionante homem exuberantemente forte, alto, moreno, pele bronzeada, a cor dos olhos indefinida, carregando uma pesada mala de couro.
Por último, e não menos deslumbrante, um rapaz que parecia com meia dúzia de atores americanos misturados olhava cada canto da mansão boquiaberto, seus óculos apoiados em seu penteado clássico de fios brilhantes, de tom loiro claro. Não tão forte quanto o anterior, sua blusa branca de gola alta transparecia a musculatura perfeita que parecia subir até seu rosto quadrado.
“Não gosto de histórias em quadrinhos, mas o Quarteto Fantástico acaba de entrar na minha sala”.
Victor voltou ligeiro até seu quarto e se vestiu. Enquanto descia a escadaria, arrumado definitivamente para receber seus convidados, encontrou os quatro rapazes em silêncio, observando detalhes do imenso ambiente de recepção. De fato, a sala era um cômodo de merecida apreciação. Antigamente, suas paredes eram recobertas de tapetes indianos, símbolos incompreensíveis e cores que não contribuíam na iluminação; hoje, pouco dos tapetes se enxergavam sob as cortinas verdes, que não só os cobriam como também podiam tapar as janelas retangulares totalmente envidraçadas que desciam do teto até quase o chão, uma a cada lado da porta. Do tamanho de uma quadra de tênis, a sala principal abrigava uma enorme lareira de mármore negro de frente para a porta; encontrava-se também uma abertura do lado oposto da escada, ligando a sala principal à sala de jantar e à cozinha; quatro sofás que mais pareciam divãs, todos vermelhos, macios e delicados estavam centralizados na sala; um imenso tapete azul marinho que se iniciava no saguão de entrada e terminava em forma oval sob os sofás; uma mesa branca e redonda de centro, vazia; quatro vasos chineses em pequenos apoios em cada canto, cada um deles simbolizando um elemento; caixas de som que vinham do teto e custara uma fortuna a Victor durante as reformas, além do lustre soberbo afunilado apontando em direção à mesa. Acima da porta principal encontrava-se um quadro pintado a óleo dezoito anos antes, retratando Victor recostado em uma poltrona. E neste momento, quatro novos rostos adornavam o ambiente, todos olhando Victor como se esperassem a ordem de um comandante.
- Bom dia, meus rapazes, sejam bem-vindos à mansão dos Kopperden! Sentem-se, por favor, sintam-se em casa – começou Victor, chegando ao patamar.
De perto todos eram ainda mais encantadores, e Victor admirou-se ao ver o mais jovem esticar as pernas sobre o sofá. Suas expressões continuavam as mesmas.
- Muito bem – continuou ele, encarando seus convidados. – Admito que estou... estou grato por Gustav ter-me trazido vocês.
“Ele atendeu muito bem ao meu pedido. Se eu pedisse a lâmpada mágica, acredito que me traria o gênio em pessoa”.
- Para deixar claro – continuou ele. -, e creio que Gustav já os alertou, o “serviço” prestado nesta casa não será com o objetivo usual, ao qual vocês estão habituados.
O jovem de cabelos longos falou do lugar que estava, ao lado do mais alto deles, no sofá. Sua voz soava brincalhona sem ser infantil.
- O Sr. Corris nos explicou parcialmente. Eu tentei conversar a sós com ele, veja você que nos conhecemos há certo tempo, mas não consegui concluir nada diferente.
- O que ele disse para vocês? – perguntou Victor.
- Disse que seriam alguns dias, e não apenas uma noite – respondeu o homem ao seu lado. – À propósito, meu nome é Yan, Yan Hick – e se levantou, indo na direção de Victor. - Muito prazer em conhecê-lo – e beijou sua mão, olhando em seus olhos.
“E pensei que os meus olhos fossem azuis”, refletiu Victor.
- Ah, o prazer é meu, Yan, mas prefiro que as apresentações sejam feitas...
- Philip Dungeon – disse o homem que entrara por último, sorrisinho no rosto e levantando a mão.
- Ulysses Loyola – falou o caubói, baixando o chapéu levemente.
Victor estava admirado com a iniciativa dos seus garotos.
- Eu ia dizer que preferia as apresentações depois, mas... – e Yan pôs a mão pesada em seu ombro. – já que foram tão espontâneos, sem problemas.
Yan ressaltou:
- O nome do dorminhoco ali é Damien, chefe.
Victor nem reparara, mas o rapazinho cochilava tranqüilo, sua boquinha levemente aberta, parecendo exausto.
- Oh, pobre criança – exclamou ele, preocupado de fato. – Deixem-no assim. Yan, por favor, sente-se.
- Você é que manda, chefe – e sorriu malicioso, voltando devagar ao sofá.
- Como ia dizendo – retomou Victor. -, o motivo de vocês quatro estarem aqui não é o usual.
- O pagamento será tudo aquilo que o patrãozinho falou? – interrompeu Philip.
- Não sei ao certo o valor que o Sr. Corris disse, se penso que o “patrãozinho” tenha sido em sua referência, mas...
- Eu não gosto de orgias – interrompeu Philip novamente, dirigindo-se a Ulysses.
- Eh... Philip, certo? Eu não citei a palavra “orgia” e nem pretendo. Enfim, o pagamento de vocês já foi efetuado, está na conta de cada um. Tenho, porém, autorização de retirar o depósito se algum de vocês rejeitar minha proposta. Yan, pode acordar Damien, por favor? É importante a atenção de vocês.
Yan bagunçou os cabelos do menino sonolento e este sobressaltou-se.
- Desculpa. Eu estava cansado.
Damien falava como qualquer adolescente saudável, e Victor apenas balançou a cabeça, perguntando:
- Me diga, você...
- Dezoito anos. Minha identidade está no fundo da mala, depois lhe mostro se você quiser conferir – falou, olhando para cima, leves olheiras revelando seu cansaço.
- Ótimo, estava aflito com a possibilidade de... Enfim, escutem, por favor. Completei... – e as palavras saiam com esforço daqui em diante. “Coisas que não confesso comigo mesmo... A vista de um abismo, voltar atrás não vale o risco. Somente o passo adiante mostrará a tragédia da queda, ou o anjo que há de me segurar para a salvação”. – Completei trinta e cinco anos há pouco tempo, não tenho vergonha de admitir, e essa é uma idade, tardia por sinal, em que um homem, ainda mais em minha condição, se vê em um tipo de apuro. Não no sentido de pressa, pois essas coisas não se resolvem com um simples acordo. É um processo, e eu teria gostado se pudesse ser natural como já deveria ter sido.
Damien falou, bocejando:
- Desculpa, eu devo estar dormindo ainda, mas não entendi.
- Nem eu – disseram Philip e Yan, intrigados.
- Você está ótimo para sua idade – terminou Ulysses.
- Obrigado, mas vocês entenderão. O que vou dizer agora determina a estadia de vocês em meus aposentos e nossa convivência daqui para frente.
Dyllan entrara no recinto vindo da sala de jantar.
- C-com licença, Sr. Kopperden – disse ele. – Os aposentos dos seus convidados estão prontos para recebê-los. Quando o senhor desejar, eu os encaminho até lá, senhor.
- Obrigado, Dyllan, eles já vão.
- Oi, Dyllan – cumprimentou Philip, encabulando o mordomo que baixou a cabeça sem conseguir pronunciar coisa alguma.
- Sem mais demora – retomou Victor. -, direi qual a minha intenção.
Cada um deles expressava alegre ansiedade. Gustav falara muito bem sobre Victor, o que os entusiasmou mesmo sem saberem da misteriosa imposição do Sr. Victor Kopperden. Dyllan foi-se retirando.
- Eu quero encontrar entre vocês quatro, Damien, Yan, Ulysses e Philip, o futuro Sr. Kopperden. O homem com quem eu vou casar.



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