quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Capítulo 10 - Fatores






Ao que tudo indicava, Victor recuperara os sentidos sem nenhum dano sério. Sua cor retornara às faces e seu corpo parara de transpirar, possivelmente devido ao frio que fazia dentro do casarão pela chuva incessante. Quando Dyllan chegou ao quarto, seguido logo por Ulysses e Philip – esse receoso de que o dono da mansão pudesse ter algum tipo de ataque surpresa -, foi como se perdesse metade do seu peso corpóreo. Ver seu patrão acordado, ainda que permeasse um vazio nos olhares vastos do Sr. Kopperden pelo quarto, bastou para um sorriso... ligeiro. O bom empregado é sempre um bom empregado, e a hora agora era de conter o mínimo de emotividade para atender a toda e qualquer demanda daquele que o tinha autoridade constante.
- Sr. K-Kopperden? – gemeu Dyllan, caminhando apressado com seus sapatos ainda sujos de grama molhada. – Sr. Kopperden, está tudo bem com o senhor?
- Dyllan, olá... – falou Victor com voz baixa, tentando levantar-se.
- Senhor, o senhor não está em condições de levantar ainda. Você... o s-senhor sofreu uma grande agitação, é melhor permanecer deitado.
Victor relaxou novamente e caiu de volta no travesseiro, seus cabelos claros espalhando-se pelo travesseiro de seda fina. Yan e Damien apareceram, o moreno de olhos azuis com a aparência de quem visita um recém-nascido. Victor mexia-se inquieto.
- Dyllan, eu estou um pouco confuso com o que aconteceu...
- Não se preocupe, Sr. Kopperden, está tudo bem agora. Foi apenas um susto, um susto...
Philip se contorceu ao lado da extravagante penteadeira bege.
- Para você, Dylly-willy, foi tudo apenas um susto – disse.
Victor fechou os olhos à luz de um relâmpago que iluminou o quarto em um flash e reverberou dentro da sua cabeça. Passou a mão delicada sobre o rosto, quente e febril. O ar parecia pesado, e em sua cabeça ia e vinha uma onda invisível que por instantes o tirava da realidade e levava-o longe dali, rodopiando em uma roda-gigante inexistente, em um parque longínquo, em um mundo de fantasia despropositada, ausente de solidez, de afago e de colo. O amor ficara lá fora, ou não era percebido aqui dentro. Amor havia, mas amor não era visto. Sentido, sim. O calor vinha do amor, vinha da febre. Febre de amor.
Giros incessantes, flashes, estrondos. Seria a tempestade ou seria seu coração? Bastaria um raio ou toda a energia dos céus para dissipar a dolorosa existência de estar presente, para rasgar o peito e cicatrizar na mesma hora a ferida aberta pelo impulso, pela ânsia em ser completo por alguns instantes finitos, pelo desejo capaz de dizimá-lo à primeira vista do corpo alheio. Ignore-se o ser, ignorem-se os fatos, a verdade é nua e crua, e preferencialmente nua, rígida e perfumada. Nudez contagiante, perfume inebriante e a sensação de vazio e queda. Constantemente o sopro que não se sabia originário de fora do corpo ou de dentro dos ossos, na ebulição dos músculos, que atravessava os poros, que expelia pelos pêlos, e arrepiavam-se um a um, quase ao mesmo tempo. Tempo indefinível que também rodopia no relógio, no rosto do anjo que o olhava. Ele era tão real, tão vivo e tão branco, e lhe estendia a mão para acarinhá-lo, fazê-lo sentir-se sadio, curado e estático. Queria que tudo parasse, mas algo insistia em bater. Cem ou duzentas vezes por minuto, aqueles segundos relativos, que pulsavam naquele peito machucado, aberto em fogo elétrico, e fechado pela realidade inexorável.
Nada mais importava. Ele ainda era um príncipe.
- O senhor precisa de mais compressas e uma boa noite de sono – prosseguiu Dyllan, ajoelhado na beira da cama. – Melhor eu fechar as... janelas.
Damien, de pé atrás da grande cama, puxava duas alavancas que escoravam as janelas envidraçadas. Compelidos a ajudar, Yan e Ulysses fecharam as cortinas claras de cetim que seguiram balançando com a brisa que insistia em ultrapassar pelas frestas.
Philip retirou-se em silêncio do quarto, sem nada a dizer que não soasse agressivo para o enfermo. Ulysses aproximou-se de Damien, que analisava algum ponto na escuridão do lado de fora. Passou um braço por trás do garoto e comentou:
- Ele acordou de repente?
- Eu não vi, caubói – respondeu o vigilante, a mesma voz mansinha. – Na verdade foi ele que me acordou, porque eu estava dormindo ali – e apontou para onde se encontrava Dyllan.
- Você é um anjo, Damien – complementou Ulysses, beijando seus cabelos e apertando-o contra o corpo.
Dyllan fazia outra compressa para Victor que, tonto do jeito que estava, fechara os olhos e caíra no sono outra vez.
- Sr. Loyola? – chamou Dyllan.
- Sim?
- Nos dê licença um minuto. Preciso falar com o senhor... Damien.
- É claro. Já vou dormir. Boa noite.
Ulysses, após passar ajeitando o longo rabicho castanho sob o chapéu, encostou a porta, dando privacidade aos garotos. Dyllan ergueu-se e fez a volta pelo criado-mudo onde deixara a vasilha de água quente, que jazia morna naquele momento. Próximo de Damien, o mordomo franzino buscava palavras para expressar sua gratidão e apreço. Pôde reparar no rosto sonolento do garoto, as mechas castanhas levemente desarrumadas.
- Espero que pare de chover – disse ele, cortando o silêncio para ativar sua desenvoltura inata. Damien mantinha seus olhos marrons esverdeados na floresta densa e agitada ao longe. A impassibilidade de seus olhos refletindo os clarões da tempestade intimidava Dyllan de modo perturbador e indecente.
- Eu gosto da chuva.
- O senhor gosta?
- Gosto. A chuva enclausura a gente.
- Entendo – balbuciou Dyllan, sem entender muito bem. – Nos torna introspectivos, é isso que o senhor diz?
- Pode ser. Mas não. A chuva manda todos para casa. Os seres naquela floresta se escondem, e as pessoas também. Cada um vai para o seu canto, protegido dos outros. Menos da chuva. – Damien tinha o costume de falar misteriosamente, o tom enigmático de sua voz inquirindo um milhão de dúvidas na mente de quem o ouvia. Era realmente difícil prestar atenção e compreendê-lo ao mesmo tempo.
- Mas a chuva não era boa? – insistiu Dyllan.
- Claro que é – respondeu Damien, encarando Dyllan com doçura. - A chuva não pensa.
Ao ver Damien sorrir, Dyllan sentiu liberdade para mostrar seu reconhecimento.
- Sr. Damien, eu q-quero agradecer o cuidado que teve com o Sr. Kopperden.
- Não fiz nada – falou Damien com rapidez, retornando a visualizar as árvores dançantes e obscuras.
- Mesmo que pense que não, muito obrigado. Pelo senhor Kopperden e por mim.
- Você está preocupado – soltou Damien, concentrado na chuva e ignorando completamente a gratidão do rapaz.
Dyllan não era do tipo que se abria com ninguém; suas mais fiéis colegas de trabalho, que não enchiam os dedos de uma mão, sabiam da sua rotina, e uma ou outra vez de alguma dor de cabeça que ele pudesse estar sentindo. Naquele momento, em especial, sua testa era oprimida como se a empurrassem por trás dos olhos, imprimindo algumas linhas de expressão por baixo dos fios negros descompostos dos seus cabelos ainda molhados.
- É, estou, sim – confessou Dyllan naturalmente. Não seria arriscado ter uma simples conversa com aquele garoto. Ele era o único, na sua opinião, que parecia diferente. Desconfiou disso pela idade relativamente próxima, o que não lhe dava crédito de julgamento por Damien ainda ser um adolescente.
- Dá para perceber sua preocupação. Você é transparente, e do modo que eu vejo, isso não é uma fraqueza.
- N-não entendo, senhor Damien. – Dyllan tinha desistido de desvendar o sobrenome do garoto.
- Dyllan, o quanto você gosta do Victor?
O mordomo lançou suas vistas em cada olho de Damien, bem dentro das íris castanho-esverdeadas, captando as incertezas das palavras daquele garoto. Era uma pergunta íntima demais, porém da qual ele não tinha nenhum segredo.
- O que isso tem a ver? – disse ele mesmo assim.
- Estou perguntando por curiosidade.
Dyllan ponderou. Damien, entretanto, merecia um crédito.
- Você já cuidou de alguém? – Dyllan lançou a pergunta, tentando arranjar a melhor justificativa.
- Eu tenho minhas histórias. – Era incrível a capacidade de Damien falar sem alternar o volume da sua voz em nenhuma sílaba pronunciada. Seu olhar mantinha-se no farfalhar furioso do vento sobre as folhas das árvores no lado oeste da mansão, as copas dos pinheiros entrechocando-se como se lutassem. Em algum lugar da casa, o vento entrava por um pequeno espaço, resultando em uivos grotescos, a ventania a declamar seu canto melancólico.
- Se cuidou de verdade, sabe o que sinto. – Dyllan falava seriamente, um tanto sombrio.
- Eu posso supor, mas não sei exatamente.
- Por que tamanha curiosidade?
- Por que tanto medo em me responder?
Os dois rapazes agora encaravam-se num misto de rebeldia e convicção, o que em nenhum momento se transformou em agressividade.
- O senhor Kopperden é especial. Eu o admiro.
- Isso é clichê – cortou Damien, novamente interessado na tempestade fulminante. Dyllan ficava impaciente.
- É claro que gosto do senhor Kopperden. Nós convivemos há quase dez anos, e conheço muito dele, talvez mais do que ele possa imaginar. – Dyllan, balançando a cabeça em confusão, não acreditava que dizia essas coisas a quem, independentemente do caráter compensador, vendia-se a outras pessoas. – Eu o considero um protetor, que deu abrigo a mim e a meu pai. A gente... sofria muito antes de parar aqui no casarão. Fora isso, eu admiro muito o senhor Kopperden, de diversas maneiras.
- Diga-me uma delas.
- Ele é um homem sozinho, com todos os problemas que a solidão pode gerar, e ainda assim é um ser humano excepcional... enfim, admirável.
- O que você admira nele? – Damien agora encarava Dyllan, que por sua vez contemplava o ressonar de Victor em seu tranqüilo respirar.
- São tantas coisas que nem sei por onde começar. O senhor Kopperden sempre foi bom para mim e...
- Não se prenda à relação de empregado e patrão, Dyllan. Eu quero saber de você como alguém presente na vida dele, alguém com íntima relação a ele.
Dyllan não gostou da palavra “íntima”. Não sentia-se confortável para falar da intimidade que tinha com o seu patrão, porém estava curioso para ver em que ponto Damien buscava chegar.
- O senhor Kopperden é um homem inteligente e extremamente educado. Há nele uma dor e uma frieza tão grandes pelas desgraças que lhe caíram sobre os ombros... a perda da mãe, a autoridade do Sr. Anthon Kopperden, seu pai... mas de alguma forma esse peso transforma-se em uma sensibilidade e afeto que nunca vi em outra pessoa. Você devia ler suas poesias!
Damien manteve-se em silêncio. Lera algumas que encontrara naquela gaveta suja, e gostara de verdade.
- Ele não as mostra para ninguém, nem para mim, mas volta e meio encontro um papel perdido entre suas roupas. Eu acho difícil entendê-las, mas a linguagem é muito bonita. Ele diz que é um modo de ele desabafar com ele mesmo, então não mostra para ninguém. Deve ser um modo de aliviar os problemas...
- Entendo.
Ao chegar ao assunto dos problemas pessoais de Victor, Dyllan preocupou-se em desviar de possíveis questionamentos sobre a saúde de seu patrão.
- Você, assim como os outros... rapazes, não o conhecem direito. Eu tenho grande respeito por quem o Sr. Kopperden... Victor, é. Tenho admiração pela sua força. E medo do que possa acontecer se ele escolher a pessoa errada para passar o resto da vida.
- O fato de essa pessoa ser um homem não lhe incomoda?
Dyllan respirou fundo. Ao longo do tempo em que trabalhava para Victor, as perguntas sobre sua sexualidade eram-lhe tão constantes que ele tencionava ignorá-las.
- Os gostos, preferências...
- Condições? – interpelou Damien, acompanhando atento o discurso.
- Como quiser, só cabem a ele e mais ninguém. Nem mesmo eu, como um... amigo próximo a ele, tenho direito ou motivos para desaprovar seus... costumes.
- Amigo próximo? Pensei que você se considerava apenas um empregado, um mordomo, um governante dedicado.
Dyllan estava tonto, a dor de cabeça embaralhando seus pensamentos.
- Certas posições profissionais exigem uma boa relação. É mais do que um trabalho para mim.
- Você cuidaria dele de graça. - Isso quase fora uma pergunta, mas Dyllan preferiu o silêncio, os trovões a responderem por ele. Perpassou um momento de silêncio no quarto, interrompido apenas pelo aparente fim do mundo do lado de fora da casa. Em determinado momento, pôde-se ouvir a leve respiração de Victor, o peito embranquecido destampado pelo lençol, em um calmo sobe e desce.
- Há duas coisas que posso concluir disso – disse Damien por fim, surpreendendo Dyllan pelo inesperado raciocínio. O que poderia ser?
- Explique-se. – Era a única maneira de ficar sabendo o que se passava pela mente daquele garoto tão novo e tão capcioso.
- A primeira delas: você ama o Victor.
Dyllan percebeu que suava por debaixo dos cabelos molhados, as gotas escorrendo até as sobrancelhas grossas e negras. Obrigou-se a passar as costas das mãos para desembaciar a visão. Damien parecia consciente de suas palavras.
- O que você...
- Você o ama – continuou Damien. – Quando se diz “eu te amo” a alguém, isso é gerado de uma série de fatores que muita gente desconsidera. Inclusive você.
Dyllan não sabia se era a dor interminável que dominava todo seu crânio ou se fossem as palavras possivelmente mal interpretadas que não traziam clareza às menções de Damien.
- Quando se diz “eu te amo”, Dyllan, você também diz “eu lhe quero bem”, quer o outro feliz, saudável, em paz. Quando se diz “eu te amo”, está dizendo também que respeita que o outro é e admira a outra pessoa pelas coisas que ela faz, pensa e cria. – O tom de voz do garoto continuava inalterável. Dyllan sofria suaves vertigens.
- Não creio que seja tão simples assim. Não é fácil explicar o amor.
- É claro. Mas é tão fácil senti-lo, não acha?
Novamente o estouro dos raios lá fora preencheram o silêncio.
- Você, admirando, respeitando como diz que o respeita e querendo o bem do seu patrão, o ama. – Damien permanecia estático, posando como um manequim encostado à cortina. Dyllan, por sua vez, mantinha a perplexidade. O garoto parecia desafiar-lhe.
- Eu discordo do seu ponto de vista.
- Isso fica a seu critério – disse Damien, que sustentava o mesmo nível da conversa desde a primeira palavra.
- O que mais você concluiu? – Dyllan perdia a paciência, mas sem nervosismo.
– Partindo da primeira conclusão, ou do fato que você o ama, é que seu amor não se restringe à sua posição aqui nesta casa, e isso é muito óbvio. Sua afeição exagerada ultrapassa o profissionalismo sem ser escandaloso, o que é bonito. Você é muito transparente. O senhor Kopperden é muito mais do que o chefe de todos os bens neste terreno. Para você, ele não é o senhor G. Kopperden, ele é o Victor.
- Estou confuso... isso parece apenas uma questão de tratamento.
- Talvez seja, mas isso é levado a sério dentro do seu coração, não pode discordar disso. É um distanciamento que o torna fraco.
A conversa estava indo longe demais, quase sem sentido, ao menos para Dyllan.
- Eu... fraco?
- A fraqueza está na sua falta de confiança em si mesmo, na sua constante cobrança em ser bom, de servir bem. Isso afeta a você, e afeta ao Victor, mesmo sem você querer. Existe um espaço, grande, mas de fácil travessia, entre vocês dois.
A tempestade lá fora parecia não ter fim, e parecia que duraria até o nascer do sol do dia seguinte.
- Senhor Damien, já está muito tarde, e estou com um pouco de dor de cabeça. Aonde o senhor quer chegar, o que está querendo dizer a mim? Digo, como pode afirmar suas palavras, ter certeza de tudo que disse?
- Me responda você, Dyllan. Por que você não gaguejou em nenhum momento enquanto falei do seu sentimento?
Damien passou a mão no rosto de Dyllan e dirigiu-se à porta. Abriu-a, mas virou-se e falou, segurando a maçaneta:
- Isso prova que você também é forte. Pode ser, entretanto, que eu esteja errado.
- Sim? – atendeu Dyllan, que desligara completamente em meio aos seus pensamentos.
- Eu lhe respeito, lhe admiro, e lhe quero muito bem. E ainda assim, não posso dizer que amo você. Até amanhã.
A porta se fechou, e o mover do ar fez Victor tossir com força deitado de costas na cama, onde até então roncava baixinho. Dyllan foi até o lado dele, pegou na barra do lençol e cobriu Victor até abaixo do pescoço, pousando a mão esquerda em seu peito e sentando-se na beirada do colchão.
- Hum, Dyllan? – gemeu Victor com rouquidão.
- E-eu mesmo, Sr. Kopperden. – Dyllan levou sua outra mão até a testa um tanto úmida de Victor. Estava morna.
- Onde está o Philip?
- O Sr. Dungeon e os outros já foram dormir. É tarde. – A mão sobre a cabeça de Victor deslizou até seus cabelos embaraçados, umedecendo-os.
- Hum, e não parou de chover?
- Ainda não. Vai chover a madrugada inteira.
Victor limpou a garganta. Sua voz era serena como a de Dyllan, contudo um pouco mais grave.
- O que foi que eu fiz...
- Desculpe? – Dyllan não ouvira. Victor levantou sua mão direita e pegou na de Dyllan que estava sobre seu peito. Seus olhos azuis focalizaram o menino, o olhar lacrimoso.
- Eu fiz uma coisa muito ruim. Não devia ter feito, mas não pude me controlar. Eu perdi totalmente a razão, acho que tive um ataque...
- Não importa. Já passou agora.
- Quanto tempo eu dormi?
- Algumas horas, não muitas.
- Sei... – Victor ficou observando as mãos unidas sobre o lençol. A palma era macia para um serviçal tão trabalhador. Dyllan mantinha a outra mão sobre sua cabeça, no que parecia limpar sua fronte de suor. – Philip deve estar machucado, não?
- O Sr. Dungeon já tomou as devidas providências, senhor.
- Ele deve estar magoado... ressentido.
Dyllan não quis reprimir Victor falando sobre a fúria e indignação de Philip.
- Já conversei com ele, ele vai permanecer aqui.
- Ele pensou em ir embora?! – Victor arregalou os olhos, gemendo mais alto e tossindo em seguida. Os trovões eram constantes. Dyllan arrependeu-se das suas palavras.
- Não – mentiu -, o Sr. Dungeon ainda q-quer ficar aqui. Ele gosta do senhor, não tenha dúvidas.
- Você acha, Dyllan?
- É claro, Sr. Kopperden. É fácil gostar do senhor. – Victor fechou de leve os seus olhos e deu um sorriso faceiro com os lábios, apertando mais forte na mão de Dyllan.
- Não, não deve ser, meu querido. Têm vezes que eu mesmo sinto repugna a mim.
- Imagine, Sr. Kopperden.
- É verdade, Dyllan. Falo sinceramente. As coisas que venho fazendo...
- Você não fez nada de errado. S-senhor.
- Ontem pela manhã, quando você me acordou, eu fiz uma promessa. Quer dizer, não foi uma promessa concreta, foi algo que senti. Algo que precisava mudar, e eu estava disposto a mudar. – Seu polegar acariciava de leve os dedos finos de Dyllan. – Naquela hora, depois de lembrar do que acontecera na noite anterior, durante e depois da festa, e do que vinha acontecendo em todas as outras noites nos últimos meses, eu senti uma grande vontade de seguir sendo diferente.
Dyllan passou alguns fios loiros de Victor por trás de sua orelha e uniu sua mão nas outras entrelaçadas. Victor ainda precisava de repouso, e ele também, pois continuava com um leve mal estar na cabeça. Victor riu baixinho.
- Oh, meu pequeno Dyllan... Meu Dylly. Você não deve estar entendendo nada do que digo. Talvez seja melhor assim, fora dos meus problemas.
- Não diga isso, Victor. Seus problemas são mais importantes que os meus. Eu me preocupo, sim.
- O que fere meu coração, Dyllan, é saber que não consigo cumprir minhas promessas, por mais singelas que elas sejam. Não prometi em palavras, mas sabia o que faria dali em diante, ou o que pretendia fazer. Mas não consigo me respeitar, nem aos rapazes.
- Eles são garotos da noite, não há nada que você possa fazer ou dizer que vá ofendê-los. F-francamente. – Pensou em relatar uma rotina hipotética dos garotos, enfatizando a quantidade de relações que pudessem ter por dia. Preferiu o silêncio secreto da mente, ao pensar nos costumes cotidianos do seu patrão.
- Dyllan, você ainda insiste nessa perseguição? Eles não são maus rapazes, e eu pedi a Gustav que escolhesse muito bem quem traria para minha casa.
- Perdão. Só tenho zelo pelo senhor.
- Eu sei, Dyllan, me perdoe. – Levou a mão de Dyllan até os lábios e beijou-a afetuosamente. O menino pôde sentir o hálito quente soprar sua pele. – Me dê mais uma chance de tentar ser feliz. Eu preciso.
- Certamente, senhor. O que o senhor precisa agora, porém, é de uma boa noite de sono. Ainda está fraco. Vou lhe trazer um leite morno e volto logo.
Dyllan preparou-se para se levantar, mas Victor manteve sua mão presa ao peito.
- Dyllan? – Seu olhar escondia súplica.
- Sim?
- Se importa de me abraçar?
Um leve tremor atingiu a bochecha de Dyllan, que enrubeceu na escuridão do quarto. Sem nada dizer, Victor ergueu-se em prontidão e pousou a cabeça sob o queixo de Dyllan, apertando o rosto no peito do garoto. Dyllan, parcialmente constrangido, viu como única alternativa postar seus braços nas costas de Victor. Ao fazê-lo, sentiu a pele molhada e marcada pelo lençol. Apertou lentamente, enquanto Victor choramingava no maior silêncio que poderia fazer, não evitando constantes soluços. O perfume dos cabelos de Victor preencheu o interior de Dyllan enquanto esse inspirava profundamente, em uma atitude engraçada mas não humorística, um homem muito maior e mais forte que ele consolando-se no seu abraço. Podia sentir as costelas suadas por baixo dos músculos de Victor, e manteve o abraço até ele interromper as lágrimas e encostar-se no travesseiro novamente.
- Eu volto já – falou Dyllan, dirigindo-se de costas à porta, enquanto Victor perdia seu olhar melancólico no teto sombrio.
Em um instante estava de volta, uma grande xícara de porcelana com leite morno e mel em uma das mãos. Descera e subira as escadas sem pensar em nada do que ocorrera durante o dia. Não havia assimilação razoável. A dor de cabeça passara, mas cansava-se só de imaginar as palavras subentendidas que trocara com Damien, e há pouco com seu patrão.
Entrou no quarto, e deparou-se com Victor dormindo de costas viradas em sua direção, do outro lado da cama. Largou a xícara no criado-mudo e foi até a lateral da cama, tapando Victor até os ombros novamente. Dormia tranqüilo, os lábios e os olhos umedecidos.
Dyllan respirou profundamente, tão profundo que engasgou-se com o próprio ar, e, temendo despertar Victor, saiu, com o rosto rubro e a passos leves, do grande quarto daquele solitário homem que queria tanto bem.



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