terça-feira, 19 de agosto de 2008

Capítulo 7 - Responsabilidade



- Ele mordeu meu pau!
A face angustiada de Philip transparecia a dor que sentia na sua genitália. Mal teve coragem de examinar o ferimento, mas estava certo de que havia marcas dos dentes de Victor na base do seu pênis.
Dyllan adentrara o quarto de Victor onde se encontravam Damien, Yan, Ulysses e Philip, esse último entrando e saindo do banheiro com freqüência, expressando terríveis caretas.
- Trouxe alguns medicamentos para o senhor, Sr. Dungeon – disse o mordomo. - Se o caso for grave posso chamar um médico.
- Se o caso for grave?! – admirou-se Philip, os cabelos loiros e molhados agitando na sua cabeça. – Menino, você já levou uma mordida? No seu próprio p...
- Entendo sua situação, Sr. Dungeon, mas não há mais nada que eu possa f-fazer por você senão chamar um médico.
- Médico o cacete, me dá logo essa sua bolsinha – e arrancou o kit das mãos de Dyllan, se dirigindo ao banheiro e gemendo dolorosamente.
- Quer ajuda? – ofereceu-se Yan.
- Fica aí, grandalhão! – declarou Philip. – Já me basta um pervertido por hoje...
Quando Victor desmaiara na caverna, Philip derrubara-o no chão e correra para a mata, gritando desesperado por ajuda. No lampejar de um relâmpago, o garoto de programa vira num segundo seu falo ensangüentado e sujo de esperma. Em desespero, fez força para vencer a dor e esfregou-o com água da chuva, na esperança de que parasse de sangrar o mais cedo possível. Philip ainda não sabia por que Victor faria algo como aquilo com ele, mas a chuva incessante, os trovões acompanhados de clarões e a ventania fazendo o frio retornar ao seu corpo o fizeram ignorar os supostos motivos para o acidente, se tivesse sido mesmo um fato sem propósito. Vestiu suas roupas novamente, juntou Victor do chão lamacento e jogou seu corpo sobre Thundra. Assim que montou em Makos, o rude cavalo negro, segurou as duas rédeas dos animais e partiu para onde acreditava ser o caminho de volta. Obra do destino ou não, Dyllan apareceu vestindo uma capa de chuva montado em Virgo, apontando uma lanterna para os dois. Após o choque de ver seu patrão desacordado e prostrado daquela forma sobre seu cavalo e ouvir as rápidas e incompreensíveis explicações de Philip, Dyllan guiou-os pelo caminho correto – Philip estava seguindo para o lado exatamente oposto.
Cerca de trinta minutos depois, Dyllan e Philip, acompanhados dos outros três homens – Damien, Yan e Ulysses -, que já se encontravam na casa e devidamente secos, dirigiram-se às pressas ao quarto principal, carregando Victor ainda inconsciente, tropeçando pelas escadas, deixando uma trilha molhada pelo corredor de azulejos e madeira.
Logo colocaram o dono da mansão sobre a cama, Philip dirigiu-se apreensivo ao banheiro, esbravejando palavras inaudíveis, mas de vivo desgosto, em certa raiva deprimida. Dyllan pediu distância aos outros rapazes; estes o obedeceram, posicionando-se próximos à porta. Sem dar atenção às inúmeras perguntas dos atuais visitantes, Dyllan despiu seu patrão e cobriu-o com a colcha da cama. Limpou o sangue e a terra do rosto de Victor com as próprias mãos e saiu do quarto. Menos de um minuto depois estava de volta, sem a capa, oferecendo o kit médico a Philip e carregando outros utensílios numa sacola. Enquanto ele cobria seu patrão com outra colcha de pêlos, duas serviçais entraram no recinto, uma alta e magra e outra baixinha e gorda, sem muita expressão, quase robóticas, com personalidades aparentemente nulas. A mais alta trazia uma maleta de couro branco; a outra, uma chaleira e uma bolsa de borracha sobre uma bandeja de madeira. Feitas as entregas, as duas se retiraram com o destaque que entraram, e Ulysses concluiria, mais tarde, nunca mais tê-las visto pela casa ou qualquer parte do terreno.
Naquele instante, entrementes, Ulysses pôde notar o quanto Dyllan era um bom profissional, mesclando rapidez e eficiência quando o tema era seu patrão. O menino, no estado em que estava, completamente molhado, de respiração inconstante e olhos vermelhos, abriu a mala no chão e a estudou por alguns instantes. Levantou-se, e encheu a bolsa de borracha com água quente, colocando-a entre as colchas sobre os pés de Victor. Com mãos ágeis, levantou a cabeça de Victor e espalhou uma toalha clara sobre o travesseiro. Em seguida, penteou os cabelos encharcados de seu patrão inconsciente para trás, e com lenços de pano limpou por completo o rosto, o pescoço e o peito de Victor, secando-o. Cobriu-o novamente. Conferiu o pulso, as pálpebras, à princípio normais, como se estivesse dormindo. Investigou possíveis hematomas, desconfiando em última instância da conduta de Philip, mas nada encontrou a não ser o corte na testa daquela manhã, já melhor cicatrizado. Com uma luva, abriu a boca de Victor e limpou o máximo de sangue que pôde, apertando os olhos para conferir se ela apresentava também qualquer tipo de ferimento.
Por fim, Dyllan direcionou a atenção no rosto de seu patrão, fixando seus olhos castanhos na inexpressividade de Victor, desfalecido em candura.
- Não há nada mesmo que possamos fazer? – perguntou Yan, aflito, com receio de parecer impertinente.
Dyllan demorou-se mais alguns instantes na sua observação do enfermo, na afilada esperança de que ele acordasse, são. Ergueu-se, ainda olhando para Victor.
- Sr. Dungeon, está tudo bem com o senhor? – exclamou Dyllan.
Philip saiu do quarto enrolado numa das toalhas, com expressão dolorida.
- Podia estar melhor. Eu só preciso de um banho e das minhas coisas.
- Pois bem – continuou Dyllan -, então vocês todos podem sair, não preciso da sua ajuda.
Philip saiu às pressas em direção ao seu quarto. Um tanto abalados, Ulysses e Yan retiraram-se em seguida.
- Sr. Dam... digo, senhor... p-perdoe-me, eu não me lembro do seu segundo nome, senhor.
Damien permanecera no quarto. Seus olhos misteriosos, verde em meio ao castanho, perdiam-se na cena, como se a admirasse.
- Você não lembra porque eu não disse – respondeu ele, categórico e tranqüilo.
Dyllan aguardou alguns segundos como se esperasse uma resposta mais objetiva, mas sua espera foi infrutífera. Tentou ignorar a situação constrangedora.
- Por que permanece aqui... senhor?
- Eu quero ajudar.
Dyllan não conseguiu mostrar nenhuma reação. A boa intenção do rapaz chamado Damien – somente Damien – o petrificou. Assim que a realidade dos fatos retornou ao seu campo mental, Dyllan constatou que podia aproveitar-se da motivação inesperada daquele jovem visitante.
- Bem... – começou, pegando uma toalha da maleta e derramando água da chaleira sobre ela. – Eu preciso checar se o Sr. Dungeon precisa de mais alguma coisa. Se você puder ficar aqui, observando o Sr. Kopperden enquanto eu não estiver presente, ficarei agradecido.









Novamente Dyllan aguardou alguma resposta do rapaz, mas Damien se mostrou tão inerte de reações quanto antes.
- Apenas mantenha esta toalha sobre a testa dele, desse modo – mostrou, apertando levemente a toalha úmida dobrada sobre a fronte de Victor. – Assim que a toalha se resfriar, derrame um pouco mais de água sobre ela, mas apenas um pouco para não esquentá-la demais. E não faça isso com a toalha em sua testa, ou pode acontecer algo pior. Retire a toalha e coloque-a na vasilha para molhá-la.
Damien, então, caminhou vagaroso até a cama, sentou-se na borda do colchão e apertou de leve a toalha sobre a testa de Victor, e assim permaneceu até Dyllan sair.
Mais tranqüilo agora que o estresse passara, Dyllan caminhou alguns metros pelo corredor que fazia uma curva à esquerda, circundando a sala principal, até o quarto de Philip, o terceiro depois do de Victor. Pensando em suas tarefas, abriu a porta do quarto sem bater, e flagrou Philip completamente nu de costas para ele, de cabeça baixa, como se examinasse os ferimentos. Ambos se assustaram, e Dyllan deu-lhe às costas até que Philip arranjasse algo para cobrir-se.
- Garoto, eu achei que você fosse educado. Não sabe bater? Hehe...
Philip tapou-se com o mesmo roupão usado pela manhã, que ficava justo nos seus ombros largos.
- Já pode virar, menino Dyllan.
O mordomo então encarou Philip, agora devidamente coberto, e fechou a porta.
Os quartos de hóspedes da mansão Kopperden lembravam muito os quartos de hotel americanos: cama, estante, televisão, armário, banheiro. Apesar de rústico, um leve toque de modernidade nos móveis e na decoração dava um ar estilístico ao recinto. Philip ficara com o quarto azulado, e tudo que nele se encontrava era da mesma cor, os cobertores e abajures destoando para o verde claro e escuro.
- Por que sua mala está aberta, Sr. Dungeon? – perguntou Dyllan ao ver uma mala de viagens com algumas roupas jogadas dentro.
- Eu tô indo embora – disse Philip, sério.
- E-embora... como assim?! – questionou Dyllan, aturdido.
- É lógico! O teu patrãozinho é doido! Puta merda, o cara mordeu meu pau!
Dyllan baixou a cabeça visivelmente constrangido. Philip estava fora de si, despertando certo medo com sua musculatura e seu queixo quadrado, lembrando um militar expressando sua insatisfação com seus subordinados.
- E para onde o senhor vai? – perguntou Dyllan, tentando manter a calma.
- Pra qualquer lugar, algum lugar em que o teu patrão não me encontre! Nunca mais ponho os pés aqui!
Dyllan postou-se antecipadamente na frente da porta; não podia deixá-lo ir embora sem o consentimento do Sr. Victor. Tentou pensar em algum motivo para convencê-lo a ficar, mas nada muito elaborado lhe vinha à mente.
- O ferimento é sério? – perguntou Dyllan, desviando o assunto, como um enfermeiro profissional perguntaria.
- Nada que uns três dias não resolvam. Mas dói, dói bastante. Chega a arder.
- Precisa de pontos?
- Cala a boca! Nem em sonho que eu ia atravessar agulhas no meu pau.
Dyllan abaixou a cabeça, ruborizado, ainda constrangido pelo linguajar de Philip.
- Desculpa, amigo. Ele não está em seu estado perfeito, mas não é pra tanto. Vai melhorar.
O silêncio abateu-se no quarto, somente a chuva incessante fazendo-se ouvir do lado de fora e Philip jogando suas últimas peças na mochila.
- Cara, por que ele fez aquilo? – perguntou Philip, mais para si do que para Dyllan.
- Sr. Dungeon, o Sr. Kopperden teve uma crise de hipotermia, foi o que pude constatar até agora.
- Hum, não sei se é bem isso, meninão. Ele tava bem estranho... nervosinho. Por que ele me mordeu?
- Ele estava ansioso?
- Mais pra afoito.
- Em que sentido?
- No pior deles – disse Philip, relevante. – Afinal, qual o problema dele? Isso não pode ser normal, essa... sede que ele tem...
- Eu sei – admitiu Dyllan, encarando-se no espelho, saindo da frente da porta involuntariamente. Seu rosto magro estava mais pálido do que normalmente era, os cabelos grudados na testa, a roupa molhada colada ao corpo.
- Sabe? Sabe o quê?
Dyllan pensou até mesmo em não responder, mas uma inexplicável necessidade de desabafo se abateu sobre ele; precisava, também, nutrir o interesse de Philip pela conversa: era seu dever mantê-lo na casa.
- Foi culpa minha – disse, por fim.
- Peraí, peraí... Não tô entendendo nada – falou Philip agitado, sentando-se nos pés da cama. – Sentaí e explica direito.
Dyllan permaneceu em pé, mas desviou a atenção do espelho. Seu rosto acusava sua irresponsabilidade, tanto em sua falha quanto em estar falando neste assunto para aquele homem que ainda não conquistara cem por cento da sua confiança.
- O Sr. Victor precisa de medicamentos todos os dias – começou Dyllan, sua voz mansa porém amedrontada. – São apenas dois comprimidos, mas que se não forem tomados todos os dias podem causar situações como essa que passou.
- Que tipos de medicamentos ele toma?
- Eu... Eu esqueci de dá-los para o Sr. Victor hoje de manhã. Fiquei preocupado em s-servir o café, e depois mais preocupado ainda com o machucado em sua testa que nem lembrei...
- Ei, Dyllan, põe os pensamentos em ordem. Que tipo de remédios são esses? Por que é que ele toma esses remédios, que problema ele tem?
Dyllan calou-se, e Philip pôde notar que seus olhos castanhos tornaram-se marejados. O mordomo, após um breve silêncio, sentou-se ao lado de Philip e olhou fundo em seus olhos verdes e curiosos.
- Você precisa ficar. Por favor.
Philip não sabia o que dizer. Desviou o olhar e levantou-se, andando até a janela. Lá fora o tempo estava caótico, as árvores da floresta à sua direita balançavam frenéticas em todas as direções, os trovões rasgando os céus ao fundo.
- De quem é aquela casa?
- O que? – disse Dyllan, disperso.
- Lá na frente, do outro lado da estrada. De quem é?
Dyllan dirigiu-se à janela e enxergou a mansão pela luminosidade dos relâmpagos.
- É a mansão do Sr. Corris, um grande amigo do Sr. Kopperden.
Philip refletiu por um momento.
- Amizade colorida?
- Os dois são amigos de infância, respeitabilíssimos. Pondere suas palavras para com os dois.
- Tudo bem. De agora em diante tratarei melhor as “excelências”... – satirizou.
Dyllan aguardou mais um instante, e buscou o tempo apropriado para inquirir.
- O senhor ficará?
Philip respirou fundo e deu de ombros, torcendo a boca numa infelicidade cômica agora que sua ira desaparecera.
- Mesmo que eu quisesse ir embora, pra onde eu iria com o mundo desabando? Eu fico... mas vou fechar bem o meu zíper na frente do teu patrão. Tô de olho nele.
Dyllan agradeceu com um sorriso sincero. Pegou a mala no chão e a pôs sobre a cama, para facilitar o trabalho de Philip ao recolocar as roupas no armário.
- Se não for pedir demais – disse Dyllan -, não comente nada com os outros. Eu não deveria ter falado nada, para começar.
- Minha boca tá fechada. Só meus olhos tão abertos – e piscou para o mordomo.
Dyllan sorriu mais uma vez e se dirigiu para a saída. Ao abrir a porta, cambaleou para trás, tropeçando. Não esperava encontrar ninguém no corredor, muito menos alguém daquele tamanho.
Yan estava parado à sua frente. Escutara, certamente, tudo o que foi dito no quarto azul. Lá fora, o vento soprava agressivo, os clarões permanecendo inflexíveis e ininterruptos.




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Um comentário:

Anônimo disse...

Muito intrigante este capítulo, mas bem desenvolvido como sempre. Parabéns