terça-feira, 5 de agosto de 2008

Capítulo 6 - Decidindo soluções




Bateu a testa no pé do seu criado-mudo ao cair com estrondo sobre o tapete ao lado de sua cama. Victor estava encharcado de suor, seu coração batendo acelerado. Encontrava-se nu, as costas para cima. Ouviu alguém desligando o chuveiro do seu banheiro; agora que reparara que ele estava ligado.
Yan surgiu na porta do banheiro, o corpo todo molhado, colocando a cabeça e seu denso cabelo para fora, pingando água morna no piso envernizado.
- Pobrezinho! – exclamou ele. – Caiu da cama, chefe?
Victor ainda não raciocinava direito. Aos trancos, sentou-se na cama e descansou a cabeça nas mãos. Fora um sonho, um dos mais bizarros que já tivera.
Yan voltou para dentro do banheiro e retornou parcialmente seco, esfregando a toalha branca pela cintura. Sentou-se na cama também, ainda se secando, mas Victor levantara-se. Repentinamente teve um impulso de averiguar o interior do seu toalete, e partiu apressado. O ambiente estava como regularmente estaria, a não ser pela quantidade de vapor desaparecendo aos poucos enquanto saía para o quarto. Ninguém se encontrava ali.
- O que aconteceu, chefe? – perguntou Yan, enquanto Victor voltava devagar.
- Isso... isso não podia ter acontecido...
- Acontecido o que, chefe? Olha, se isso tem alguma coisa a ver com a noite passada, tudo bem. Eu posso ser ativo na próxima vez sem maiores problemas...
Victor pensou que explodiria em excitação desvairada.
- Cala a boca! – berrou. – Fica quieto! Pára de falar.
Yan congelou por alguns instantes. Não soube o que dizer sem soar agressivo para Victor naquele estado.
- Você está sangrando, chefe. Sua cabeça.
Victor passou a mão no lugar da batida. De fato havia um corte leve acima do olho direito.
Yan levantou, juntou sua cueca usada, enrolou um roupão avulso no guarda-roupa ao lado da porta e partiu após dizer:
- Encontro você na mesa para o café, chefe.
Victor permaneceu no mesmo lugar por um minuto ou dois. Pegou dois ou três lenços umedecidos da estante e pressionou na ferida.
“O que está acontecendo? Que pesadelo foi esse? Foi algum tipo de premonição? Não pode ter sido simples descarrego de lixo cerebral, nada daquilo era lixo... talvez eu fosse, eu e meus pensamentos incoerentes que não me libertam nem em sonho”.
Os minutos seguintes foram preenchidos com um banho rápido, meias limpas, roupão macio e olhares perdidos além das montanhas no oeste, através da imensa janela do gigantesco quarto. Apressou-se na escadaria circular no fim do corredor, quase caindo nos degraus finais. Chegou na sala de jantar pouco antes de Yan entrar pela outra porta, no canto oposto que ligava à sala principal. Deu bom-dia a todos, e Yan também. Os dois se sentaram nos mesmos lugares da noite passada, trocando olhares sérios e comprometedores. Ulysses, assim como Damien e Philip, vestia um roupão similar ao de Yan, impecavelmente branco.
- Teve uma boa noite, Victor? – Ulysses perguntou, servindo-se de chá e bolinhos.
- Não, querido, não tive, mas obrigado pela preocupação. Não foi das mais relaxantes – e sorriu, sentindo o olhar de Yan queimar em sua fronte, mesmo sem encará-lo.
- Bom-dia, Sr. Kopperden – cumprimentou Dyllan, entrando na sala por onde Victor viera, com uma bandeja segurando uma xícara azul. – Aqui está seu café, senhor.
Victor olhou fundo através das pupilas do mordomo.
- Dyllan – disse ele.
Dyllan não soube como reagir, e balançou a cabeça afirmativamente. Victor pareceu sair do seu transe.
- Café? – surpreendeu-se, inalando o cheiro característico. – Por que café?
- O-ontem o senhor disse que passaria a tomar café ao invés de chá – respondeu o mordomo, sem compreender seu patrão.
- Eu disse?
- Se bem me lembro, sim, senhor.
- Tudo bem, Dyllan, obrigado – finalizou Victor, retirando os cabelos do rosto.
- Sr. Kopperden, o senhor se machucou?! – exclamou Dyllan, aturdido. Os outros lançaram os olhos para o curativo simplório na testa de Victor, e esse puxou de volta os fios loiros tampando o ferimento.
- Um pequeno acidente, Dyllan, está tudo bem, obrigado.
Dyllan postou-se em seu lugar, intrigadíssimo, e o silêncio reinou por alguns minutos. Olhares sonolentos trocavam-se entre todos, exceto Victor, que mantinha a cabeça baixa, tomando seu café.
Em meio a conversas esporádicas, Philip foi quem despertou a atenção de Victor.
- Yan, por que tem um “K” no seu roupão? – indagara ele.
Yan remexeu na cadeira e esticou o tecido até enxergar o “K” costurado no peito.
- Não faço idéia. Não tem no de vocês?
Os demais roupões eram inteiramente brancos, sem costura ou estampa. Philip sorria, atrevido.
- No nosso não. No do seu chefe, sim.
Foi então que Victor descolou sua vista do “K” nas vestes de Yan e virou-se para Philip, que agora ria para ele.
- Ah, qual é! – exclamou Philip, parecendo mais adolescente que Damien. - Lógico que ele passou a noite com você. Ei, “Vivi”, desse jeito não tem como descansar mesmo.
Victor engoliu em seco, procurando as palavras no sorriso debochado de Philip.
- Isso, como eu disse anteriormente ao próprio Yan, não deveria ter acontecido.
- E por que não? – insistiu Philip.
- Não foi assim que eu imaginei que fosse, saiu fora do planejado.
- Ontem você disse que não tinha planejado quase nada.
- Praticamente nada, mas isso que aconteceu afeta a base, vai contra as minhas intenções primordiais.
Philip manteve a boca fechada, mastigando um biscoito de açúcar, o sorriso oculto pelos movimentos da sua mandíbula.
- Não tem nada a ver com você, Yan – explicou-se Victor, pegando a mão do homem à sua esquerda. – Não era o modo como eu queria que as coisas acontecessem, é simples assim.
Damien engoliu seu iogurte e resolveu se expressar.
- E como você quer que aconteça? Você é sempre tão vago.
Victor admirou-se com a inocente audácia do garoto.
- A longo prazo, você está certo, tenho vaga idéia de como as coisas vão se seguir. Dos meus desejos fundamentais acredito que todos vocês estão cientes. Quanto a respostas breves, o que quero para agora, para hoje, é um passeio pelos arredores da casa, pelos lugares dos quais falei ontem. Dyllan?
- Sim, Sr. Kopperden?
- Diga para Celline preparar Thundra, Makos, Ingus e Emew, e escolher outro para um dos rapazes, menos Wogon.
- Para quando, senhor?
- Para o início da tarde, se possível. O tempo está bom, mas nunca se sabe o que pode acontecer por essas bandas.
- Certo, posso recolher a mesa?
- Deve, Dyllan.
O resto da manhã e o almoço foram recheados de conversas banais e perguntas sobre quem eram Celline e as supostas criaturas de alguma mitologia desconhecida citadas por Victor. Por mais suplicantes que fossem, os garotos só conseguiram pedidos de paciência por parte de Victor, o que os deixou ainda mais entusiasmados. Até Yan, como Victor pôde perceber, estava curioso e bem-humorado, deixando o anfitrião mais tranqüilo quanto ao misterioso passeio vespertino.
Por volta das catorze horas, os quatro rapazes, guiados por Victor, caminharam alguns metros saindo dos fundos do casarão até um casebre de pedra cercado por árvores que davam início a uma densa floresta em toda a área sul dos terrenos da família Kopperden. Olhando da mansão, podia-se ver que as árvores só terminavam ao encontrar as colinas, onde apenas se elevavam ou mostravam-se em outras espécies.
Pouco antes de chegarem ao casebre, Victor aproximou-se sorrateiro até Yan e puxou-lhe de leve pelo braço.
- Yan, você está melhor? – perguntou-lhe baixinho, querendo parecer solidário.
- Sim, estou – respondeu Yan, suspirando. - Apenas fiquei assustado de manhã, mas já passou a crise, não?
- Yan, não foi uma crise. Foi... – “O que estou tentando dizer?” – Ok. Se você pensar assim, ótimo. Foi uma crise momentânea. É que eu tive um sonho absurdo, acordei com medo.
- Nossa, e como foi o sonho?
- Ah, Yan, foi tão desagradável que não vale a pena ser contado. Esqueça isso.
Os dois seguiram os outros homens que já entravam na casa de pedra. Victor não pôde suportar.
- Yan, quando você tomou banho... estava tudo no lugar? Digo, você está inteiro?
O rapaz abriu seu sorriso encantador, e respondeu com carinho:
- Certo, foi um estrondo, mas pra me destruir é preciso muito mais. Da cabeça aos pés, dois metros e um - só para você, chefe.
Com uma piscadela, Yan puxou Victor para fora do campo de visão de quem estivesse dentro do casebre, mas Victor afastou a cabeça a tempo de evitar um beijo desnecessário.
- É melhor não, Yan – disse ele, resistindo à tentação dos lábios firmes do rapaz. – Por favor.
- Sem problemas, desculpe.
Os dois então entraram no estabelecimento. Yan percebeu no mesmo instante se tratar de um celeiro, onde cerca de vinte eqüinos encontravam-se cercados por pequenas muretas, cada um com cerca de dez metros quadrados de terra e palha para ocupar. Além dos quatro convidados e de Victor, Dyllan e uma bela mulher negra achavam-se próximos a seis cavalos fortes, três marrons, dois pretos e um branco. Um dos cavalos pretos ainda estava sem sela, e a moça aprumou-se ligeira para amarrar e prender todos os cintos ao redor do esbelto cavalo negro.
- Boa tarde! Todos bem, Celline? – cumprimentou Victor.
- Sr. Kopperden, nem pergunta de mim antes! – retrucou a moça, aparentemente ofendida.
- Ah, claro, vocês todos estão bem? Isso inclui você, Celline.
A mulher desatou a gargalhar enquanto secava o suor da testa com as mangas do macacão. Celline, como Dyllan viera a explicar depois, era uma antiga empregada da família Kopperden que se mudara com o pai ainda menina na vizinhança. Quando seu pai morreu mordido por uma cobra durante uma pescaria, o Sr. Anthon Kopperden, pai de Victor, apiedou-se da menina e deu a ela tudo que precisava: estudo, alimento, moradia e carinho. Ela crescera correndo pelos vastos campos, desbravando a floresta sempre que podia, às vezes até se perdendo por seus atalhos. Os anos se passaram, e quando o velho Norman, antigo empregado que cuidava das fazendas da redondeza, viera a falecer, Celline já estava mais que instruída a ocupar o cargo de confiança e o trabalho duro junto aos veterinários que faziam visitas constantes aos animais. Hoje em dia, ela cuidava exclusivamente dos cavalos, éguas e dos cachorros que faziam a vigília dos arredores do terreno dos Kopperden. Celline tinha em média trinta anos, e era tão forte como um homem trabalhador comum. Sua voz era firme, todavia tinha temperamento brando, e lembrava a Yan uma tia faceira que há muito não via.
- Sejam bem-vindos, rapazes – falou ela, baixando a cabeça levemente. – Escolham o que mais lhes agradar, exceto Virgo, que é do nosso Dyllan – e esfregou a mão no mais belo alazão à esquerda dela.
Yan e Damien escolheram os outros cavalos cor de canela – Ingus e Emew, respectivamente – e Philip e Ulysses montaram nos outros dois animais negros, Makos e Lylo. Ulysses mostrou grande habilidade na montaria, e logo disparou para fora, dando um giro completo e empinando o cavalo com força, um verdadeiro cavaleiro de chapéu e tudo o mais. Victor aproximou-se do seu cavalo, Thundra, um deslumbrante eqüino com seu pêlo branco bem escovado e perfumado, diferente dos outros pela pequena máscara que o distinguia: esse era o cavalo do Sr. G. Kopperden.
Celline dera as últimas verificadas em Thundra enquanto os rapazes saíam do celeiro.
- Pensa em ir muito longe, patrão? – perguntou Celline, concentrada em amarrar firme a sela do cavalo imponente.
- Não muito, o suficiente para eles conhecerem o que tem de bom por aqui.
- Certo. É bom não se distanciar muito, Thundra está um pouco ansioso, isso é sinal de tempo ruim.
- Com este sol?
- Pois é, mas sabe como é verão. É início da estação, o clima muda de uma hora pra outra. É só um conselho, não vá muito longe para poder voltar depressa se precisar.
- Se Celline diz, o pequeno Victor faz.
- Você é maior do que imagina, amigão. Nunca pense o contrário.
Victor sorriu com afeto para a amiga de infância e bateu os pés de leve nas laterais do seu cavalo. Lá fora, Ulysses retornava para junto do grupo.
- Adorei esse daqui – disse ele.
- Lylo normalmente é arredio – informou Victor -, mas parece ter gostado de você.
- Victor... – começou Damien, numa postura exemplar em cima de Emew. – E se por acaso eu não quisesse andar a cavalo?
- Você não quer?
- Não é isso, é uma hipótese.
- Agora é você quem está sendo vago, onde você quer chegar?
- Lugar nenhum. Deixa pra lá, são coisas minhas.
Victor tentava, mas longe estava de chegar a uma conclusão coerente sobre o que se passava na cabeça daquele garoto.
- Se preferir pode ficar em casa, tem muita coisa pra fazer lá também. Seria interessante se todos fôssemos.
- Para onde seguimos, Sr. Kopperden? – questionou Dyllan, dando um ponto final à conversa.
- Deixo o papel de guia para você, Dyllan, mas sugiro a cachoeira.
- Não é muito longe?
- Ah, ninguém está com pressa aqui. Afinal, esses cavalos precisam de exercícios; Celline está preocupada com o ânimo dos pobres bichos.
Ninguém comentou nada durante um tempo, enquanto uma brisa confortável sacudia as vestes e os cabelos de todos. Atrás deles, a imensa floresta aparentemente não desbravada, mostrando vida através do balanço. Foi na direção da mesma floresta que Dyllan guiou Virgo.
- Vamos, Lylo! – ordenou Ulysses, e o animal partiu veloz ultrapassando a todos, inclusive Virgo.
Logo a impressão de abandono daquela região se desfez, e os seis cavalos iniciaram a pequena jornada por uma estrada de terra sob a sombra das árvores. Os primeiros quilômetros seguiram-se com tranqüilidade, Victor reparando no suposto amedrontamento de Damien e numa inesperada introspecção de Philip que, galopando com Makos ao seu lado, dirigia-lhe olhares furtivos.
“Furtivos, dispersos, perdidos, focados, límpidos, doces, lacrimejantes, iluminados... que olhos os dele, e de todos os outros. Como estarão os meus? Fechados. Fechados a essas impressões errôneas. Estupidez achar que bloquearei meus pensamentos absurdos tampando minha visão. Eu vejo com meus sentidos, no toque, na visão, ouvindo, cheirando, provando, com o sexto, sétimo, décimo sentido, múltiplos sentidos. Mistura sórdida, sempre sórdida, tendendo a continuar até se tornar perpétuo e irreversível. Sensitivo e insensível ao mesmo tempo”.
Dyllan liderava a trupe, Ulysses cavalgando ao lado, apontando para tudo que lhe lembrasse sua terra natal. Yan mantinha-se levemente afastado, mas Victor tinha certeza de que não tardaria e ele seria o mesmo Yan que entrara em sua mansão no dia anterior.
A trilha foi ficando escorregadia e lamacenta após uma hora de passeio. A umidade não chegava a ser um transtorno, mas era sentida no toque dos arreios e nos fios de cabelo que se tornavam quebradiços e disformes. Victor suava sobre o lombo de Thundra, o calor na parte interna das coxas incomodando insistentemente. Ao redor, o que se podia perceber além das árvores revoltadas como se brigassem com o ar da ventania eram grandes pedregulhos deslocados, aleatoriamente localizados no meio dos arbustos e ervas pegajosas. Dyllan aproximou-se com o alazão Virgo, com perfeita postura digna de um cavaleiro.
- Tudo bem com o senhor, Sr. Kopperden? – perguntou ele de voz tímida e embargada. Victor levou certo tempo para perceber a presença do mordomo e a processar suas palavras gentis.
- Comigo? Sim, estou bem, apenas cansado. “Entediado, talvez”.
- Sua cabeça está doendo? – apontou Dyllan para o curativo escondido por mechas díspares na testa de Victor.
- Nem um pouco. Obrigado, Dyllan.
Aos poucos foi escurecendo, tão rápido que Victor questionou-se se deveriam mesmo chegar até o lago. Thundra tremia mais que o normal. Não devia passar de três e meia da tarde, e mesmo assim a iluminação sob as árvores tornava-se mais sombria a cada cem metros que avançavam. Todos sentiam certo frio, e Damien já fechara seu casaco até o queixo. Um infeliz arrependimento bateu no peito de Victor. Mais um dos seus impulsos não planejados, essa longa cavalgada sem rumo.
“Algo tem rumo em minhas troteadas pela vida?”.
Ao descerem um declive, Lylo, o cavalo de Ulysses, começou a relinchar e bater os cascos no chão terroso com nervosismo. Tamanho era seu espanto que, se Ulysses não fosse um experiente montador, poderia muito bem ter caído das costas de Lylo, que não parecia ter o mesmo senso de premonição de Thundra, que apenas ficava nervoso em clima úmido mostrando seu desgosto por climas variáveis.
- Victor, acho melhor levá-lo de volta – sugeriu Dyllan.
- Ótimo – expressou Ulysses -, você leva ele e eu fico com o seu, posso?
- Jamais, Sr. Loyola – decretou Dyllan, que mesmo sem rispidez deixou claro sua autoridade sobre seu animal de estimação.
- Hum, certo. Posso seguir com você, Victor?
“Esse sentimento vem e vai. Por que não pára?”.
- Também não – impôs Dyllan, calmo acima de tudo. – Um cavalo como Thundra tolera um peso limitado, e dois na garupa em tamanha distância pode prejudicar a saúde dele. É o cavalo do Sr. Kopperden. Você vem comigo. Consegue controlá-lo?
- Acho que sim, meu pulso é firme.
- Certamente. Siga-me. Com sua licença, Sr. Kopperden.
Victor manteve silêncio. Não contestara as palavras de Dyllan porque eram, de fato, verdades, e devido ao seu longo relacionamento com Dyllan pouco levara em consideração o tom gélido de suas determinações. Dyllan pegou as rédeas de Lylo e partiu com Ulysses.
- Victor – falou Damien -, eu acho que vou com eles. Estou com frio.
- Você não costuma patinar? – observou Victor.
- Estou cansado, minhas... nádegas doem.
Damien enrubeceu de leve, e Victor não pôde fazer nada a não ser deixá-lo ir, sinalizando com a cabeça. Em menos de um minuto, Dyllan, Ulysses e Damien perderam-se nas sombras verdes da floresta. Yan e Philip continuaram seguindo Victor até a cachoeira.
- Acho que vou voltar também, chefe – disse Yan quebrando o silêncio passados alguns minutos.
- Oh, tudo bem, Sr. Hick – lamentou Victor. – Nos vemos no jantar?
- Com toda certeza, chefe.
- Pare de me chamar de chefe – pediu Victor informalmente, ao que Yan retribuiu com o já conhecido sorriso de menino levado, partindo em seguida a forte galope.
Restavam ele e Philip, agora troteando devagar como dois exploradores. Na mata fechada, tudo que se ouvia eram o respirar dos cavalos e suas ferraduras chocando-se com algumas pedras soltas da nova estradinha.
“Por que...?”.
- Foram todos embora, não é justo... – lamentava-se Victor.
- Vai chover, é isso – concluiu Philip.
- O que? O Sr. Dungeon também prevê o tempo?
- Ninguém precisa prever nada pra sentir. Esse vento... Mesmo no meio de uma floresta dá pra notar. É chuva. Mas eu ainda não fui embora, não.
“Solução. Preciso resolver. Até quando?”.
Uma gota de suor frio desceu pela testa de Victor. A chuva traz frio, e o frio, desconforto. Para onde ir?
- Me siga. Há alguns nichos bem espaçosos nessas rochas, podemos conseguir abrigo.
Ambos partiram com Thundra e Makos, mas o banho de chuva foi inevitável. Das nuvens despencaram grossas e pesadas gotas d’água, tornando o terreno lamacento em questão de instantes. Levaram certo tempo até encontrar uma pequena caverna no meio da tempestade e da ventania. Logo ao entrarem, desmontaram dos cavalos e os colocaram próximos da saída, protegidos da água. Enquanto Philip despia a camiseta e tratava de torcê-la, Victor, na sua experiência de explorador dos próprios campos, acendia uma fogueira na base da habilidade e da sorte: galhos secos se encontravam amontoados em um canto, talvez restos de uma antiga visita de Celline.
O que Victor não previra, além do trajeto do passeio, era ver Philip completamente ensopado, pendurando suas roupas sobre as pedras. A medida que ele retirava as calças, Victor fechava os olhos, apertava-os dentro da cabeça. Pensou em pôr um dedo no fogo para desviar a atenção. Definitivamente, aquela não era a solução.
- Qual dos cavalos era Wogon? – perguntou Philip. – Você falou nesse nome na mesa do café.
- Que boa memória você tem, rapaz. Wogon é um cavalo especial. Ninguém monta nele. Ele tem um compartimento reservado, recebe cuidados especiais.
Victor respondeu à Philip batendo os dentes, tremendo-se por completo. A fogueira não parecia aquecer.
- Hei, patrão, melhor torcer suas roupas também – falou Philip, quase despido por completo. – Sem estresse, é por causa de resfriado mesmo.
“Insistência maldita...”.
- Sem problemas, cara – dizia Philip, retirando a força o casaco e a camiseta de um Victor encharcado. – Eu ouvi o que você disse lá na mansão, não se preocupa. Eu entendi.
Philip tirou o resto da roupa de Victor, que parecia ter entrado em estado mórbido, olhar desatento, mudando constantemente de direção.
- Uma vez vi num filme, aquele que o mundo vira gelo, já viu? Vi que o calor humano “é o mais poderoso de todos”, que é bom mesmo. Se não for ruim pra você...
Victor não prestara real atenção, e quando deu por si estava envolvido pelos braços do loiro latino. Calor. Calor humano. Calor dele.
“Calor de homem”.
Calor. Conforto.
“Foda-se”.
- Foda-se – soltou Victor.
- Que?
- Foda-se o que eu disse, me deixa.
Philip estava claramente confuso, mesmo que seu rosto estivesse mal iluminado pela luz fraca do fogo. Foi essa luz fraca, entretanto, que permitiu a Victor a visão sexualmente destrutiva de Philip, digno de um muso inspirador para qualquer artista, vestindo somente uma cueca clara que, molhada por completo, lhe deixava transparente na frente, atrás e nas laterais.
- Lhe deixar? O que?
- Eu quero chupar você.
- Como assim? Eu nem tô excitado, Victor. Assim não rola.
- Não me contrarie – dizia Victor, olhar desfocado dirigido ao relevo sobre a cueca. – E que fique registrado, nunca mais me chame de “Vivi”.
Por mais que Philip buscasse fugir, o espaço limitado da caverna não lhe deu alternativa. Victor lhe abocanhara entre as pernas naquele estado mesmo, frio, mole, sem tesão algum. Tamanha sua vontade em excitá-lo fez Philip perder o controle mais cedo do que o rapaz pensava ser capaz. Bastaram alguns movimentos com a língua para Victor sentir o pênis rígido dentro da boca, que quente como estava aquecia o resto de todo o corpo, muito mais que um abraço, já esquecido por Victor.
- Se vai fazer, faz com vontade – balbuciou Philip, agarrando com força os cabelos molhados de Victor e forçando a garganta dele. Segurava-o com uma mão, com as duas, em ritmo violento. De vez em quando, retirava o membro da boca de Victor batia-lhe no rosto como se quisesse machucá-lo, para depois colocar tudo até o final naquela boca morna que sugava tão bem.
Era daquilo que Victor precisava: um pênis para chupar. Exatamente nessas palavras, um pênis para chupar. Sentir prazer ao dar prazer para um homem bastava para Victor. Era a cura para a doença dos seus delírios, da sua imaginação, de suas fantasias que há tempos não eram mais íntimas a ninguém, nem à própria natureza, que fez de Victor Kopperden quem ele era, imperfeito. A glande, o suco leitoso, os nervos, veias, os pêlos perdendo-se na língua, língua que passeava pelos testículos, o gosto salgado da água transformada em suor, do acúmulo de saliva à inundação do líquido branco e amargo, o éter necessário, sempre necessário. Gozo. Tudo fazia parte do ritual, onde Victor era o participante humano, o objeto, o atuante, o plano e a execução.
Philip batera a cabeça na parede rochosa ao ejacular, perdendo a noção dos sentidos, contorcendo-se por completo, esfregando suas costas na parede de pedra pura. Nunca havia sentido tanto delírio em algo tão simples como sexo oral feito por um gay afoito.
O prazer, porém, transformara-se em dor. A dor, porém, não vinha da cabeça, vinha do seu membro ainda rígido. Horrível dor, dor que talvez sangrasse. Sangue? Sim, pensou que fosse, quando se deu conta que de fato era.
Victor amolecera, seus braços soltos e relaxados, ajoelhado, olhos fechados, sua boca ensangüentada entalada com o pênis de Philip. Ardência e medo.
Victor estava desacordado.



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Um comentário:

Anônimo disse...

Nossa! *-*
Ótimo capítulo. Daqueles que deixa com o gostinho de quero mais. *vai correndo ler o sete*